Como disse no último artigo, inúmeras são as possibilidades de uso do shot peening, embora apenas um princípio básico de operação seja utilizado.
Primeiramente, para melhor entender esse princípio, vamos antes esclarecer algo que havia dito nesse último artigo: “... Uma correta especificação pode fazer com que itens como engrenagens, molas, pinos, eixos, etc…, ultrapassem a expectativa de vida inicial do projeto. Embora corretamente dimensionadas para esforços estáticos, quando submetidos a esforços cíclicos esses itens nem sempre atingem a vida esperada...” O que são esses esforços cíclicos? Em determinadas situações partes ou regiões de peças são submetidas a esforços não constantes. Esforços que variam ao longo de tempos bastante curtos, centésimos ou mesmo milésimos de segundo. Variam em intensidade, mas obedecem a períodos bem definidos. E aqui o que nos interessa são os esforços de tração, que passam a ser de compressão (caso típico de eixos em rotação) ou mesmo que deixam de existir (caso típico de dentes de engrenagens). Normalmente atingem seu valor máximo na superfície da peça. Com o passar do tempo há uma tendência ao surgimento de trincas nesses locais. Trincas essas que acabam levando à ruptura precoce da peça. Isso acontece pela fadiga da ligação entre os grãos ou grupos de moléculas nessa região.
Como aumentar essa força de união, garantindo a integridade da nossa peça? Como manter sua estrutura coesa? Como aumentar sua resistência à fadiga, suportando por mais tempo os esforços cíclicos?
Nesse momento vamos fazer uma associação simples: imaginar pessoas enfileiradas lado a lado e de mãos dadas. Se quisermos separar essas pessoas temos que aplicar uma força, que chamaremos de “tração”, superior à força que mantém suas mãos unidas. É lógico supor que caso a separação viesse a acontecer, ela se daria entre as mãos de duas pessoas. Dificilmente a separação aconteceria entre o braço e o corpo, ou mesmo no meio do corpo de uma mesma pessoa. Caso forçássemos essas pessoas a se agacharem é razoável imaginar que ao fazê-lo, por uma questão de espaço, passassem a entrelaçar seus braços e não mais as mãos. Agora a força necessária para a separação teria que ser maior.
Voltemos ao shot peening, que em uma tradução literal, significa “martelamento por esferas”. Ou seja, shot peening nada mais é que um martelamento utilizando esferas.
Embora o shot peening tenha tido seu primeiro grande desenvolvimento na década de 1940, o conceito de martelamento é mais antigo. Todos já ouviram falar de espadas da Idade Média literalmente marteladas que tinham durabilidade e resistência superior. Outra peça bem mais prosaica como a ferradura, também é martelada para aumentar sua resistência ao desgaste. Um outro processo também há muito utilizado com o mesmo fim é a roletagem, que consiste na compressão por roletes de regiões críticas de uma peça. Ambos os processos visam o aumento da vida dessas peças.
O shot peening utiliza o mesmo princípio do jateamento. Esferas são arremessadas contra a superfície de uma peça provocando dezenas de milhares de micro marteladas. Podendo ser bastante pequenas, menores até que 100 µm, essas esferas podem atingir regiões das peças inimagináveis aos processos anteriormente descritos.
O que esses três processos têm em comum?
Os três se valem do martelamento para provocar uma deformação plástica na camada superficial da peça. Essa camada assim deformada tem seus grãos ou grupos de moléculas comprimidos entre si.
E voltamos à fileira de pessoas agachadas com os braços entrelaçados. Ela é nossa superfície martelada.
Na realidade o martelamento não aumenta a força de ligação entre os grãos ou grupos de moléculas da superfície da peça, embora seja esse o efeito prático. O martelamento cria uma tensão de compressão nessa camada, que se contrapôe ao esforço de tração. Isso faz com que o limite de resistência à fadiga aumente pela diminuição do esforço final resultante.
Da mesma maneira que na fileira de pessoas, existe um ponto mais fraco nas ligações metálicas. No caso do aço é o contorno dos grãos. Ali se encontram inclusões que enfraquecem essas ligações. O martelamento comprime exatamente um grão contra o outro, dificultando essa separação no ponto mais fraco. Porém, caso essa separação já exista, o martelamento não tem a capacidade de uni-los novamente. Criada, a trinca faz com que haja uma diminuição da área resistente da peça, além de ser um ponto de concentração de tensões pela descontinuidade de forma.
Portanto, o shot peening só tem eficácia em peças onde ainda não ocorreu o início da trinca. Caso uma peça, pelo seu custo de reposição, justifique o retrabalho, o primeiro passo deve ser a eliminação dessa trinca e só então a realização do shot peening.
Simples, não?
Nem sempre. Existem limitações. Quais são? Veremos no próximo artigo. |